Nunca foi segredo que minha avó, Maria Ordones, roubara o meu avô, José Henrique para casar-se com ele. Fugiram juntos como se vivessem em nossos tempos.
Ela era, inconfessavelmente, mais velha e ele, por puro cavalheirismo, assumiu a maior idade. O preço pago pela ousadia foi alto: ela deixou para trás a confortável fazenda, de infindáveis janelas e passou a viver em casa de colonos por diversas fazendas. Meu avô dando aulas a filhas de fazendeiros abastados até o dia em que o ciúme adentrava a cena e meu avô perdia o emprego e via-se obrigado a por o pé na estrada novamente.
Maria Ordones sempre amou àquele menino que tanto se esforçava para amadurecer em seus braços. Amadurecimento este que nunca veio, nem com a chegada dos cabelos brancos; os quais ele encobria, incansavelmente, usando infindáveis vidros de Pindorama. Produto que além de colorir os cabelos impregnava os seus paletós, corredores e, ainda hoje, sentimos sua fragrância em nossas ternas lembranças.
Ele só perdeu a inocência quando sentiu a alma abandonar o corpo da amada, com a mesma facilidade de quando se deixa uma casa em que se vive por quase cem anos. Não quis vê-la morta, mas também nunca mais enxergou a vida através de sua pueril poesia. Talvez até por isso, a vida o tenha desobrigado logo depois.